sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Voltar ao Brasil. O que eu faria diferente?

Esse post foi publicado originalmente no antigo Blog do Corey e não necessariamente representa a atual opinião do autor.

Atenção: meu teclado está com problemas e não consigo usar algumas teclas (mesmo no teclado virtual do windows), portanto peço o favor de ignorarem erros, principalmente acentos.

Como disse no post anterior as chances de que eu volte ao Brasil em 2020 são muito grandes e mesmo se não for ano que vem esse retorno vai sim acontecer mais cedo ou mais tarde. Não me vejo morando o resto da vida aqui em Portugal. Hoje compartilho com voces as coisas que faria diferente caso voltasse hoje para o Brasil.

1- Daria mais atenção aos meus pais. Sempre tive uma relação complicada com minha mãe e nem tanto com meu pai, saí de casa aos 20 e poucos anos e esses azedumes com a véia continuaram e nunca foram resolvidos dentro de mim. Nesse meio de tempo descobri que meu pai não é o cara legal que eu pensava ser e minha mãe mudou muito se tornando aparentemente uma pessoa melhor. Os anos passaram e eu cada vez me importei menos com eles a ponto de não fazerem falta nenhuma na minha vida (eu sei, é pesado, mas é a verdade) e ter que visita-los ou mesmo ligar para eles se tornar uma tarefa massante que até hoje, me traz muita ansiedade. Mudar pra Portugal talvez foi uma tentativa de fuga disso, coisa que obviamente não deu nem nunca daria certo. Agora os velhos estão cada dia mais velhos e já não conseguem cuidar tão bem um do outro como num passado recente. Como uma vez ouvi Denis Prager dizendo: "voce não tem obrigação de amar seus pais mas tem obrigação de honra-los" e sei que tenho a responsabilidade de cuidar deles de alguma maneira, por mais difícil que essa tarefa seja pra mim sei que devo tomar a responsabilidade dela.

2- Seria menos bitolado com dinheiro. Desde a morte do nosso companheiro de blogosfera Viver de Construção (ok, há debates sobre a veracidade da coisa, mas isso não vem ao caso porque verdade ou não, aquilo pode acontecer com qualquer um) minha consciencia sobre o uso do dinheiro vem mudando. Se antes eu achava que minha função era tomar conta do meu dinheiro hoje vejo que é o contrário. O dinheiro deve tomar conta de mim então tenho até certa obrigação comigo mesmo de gastar na minha qualidade de vida. Isso inclui viver da renda passiva enquanto uma empresa nova se estabiliza, usar essa mesma grana para pagar um curso ou um tratamento de algo que seja necessário, comprar um carro seguro para usar com a família, etc.

3- Empreenderia. A brincadeira de ser empregado foi legal mas já enjoou. Nesses 3 ou 4 anos sem empreender aprendi mais sobre o assunto que durante a mais de uma década que contei caixa e subi porta de enrolar. Posso dizer que minhas ideias de empreendedorismo hoje são anos luz mais evoluídas que quando eu tinha loja. Tenho certeza que com conhecimento que tenho hoje conseguiria ter um bom sucesso empreendendo no Brasil com pensamento no longo prazo (coisa que nunca tive). O assunto é tão extenso que merce um post só pra ele.

4- Focaria no conforto. O Brasil tem problemas e só nos resta contorna-los para ter mais conforto. Se voltasse hoje procuraria alugar um apartamento na "minha quebrada" mas quando comprasse uma loja me mudaria pra perto dela de tal maneira que conseguisse ir ao trabalho a pé ou em poucos minutos de carro. O conforto de morar perto do trabalho é algo importante. Falando em apartamento iria alugar um com boa metragem (uns 70 m²) porque embora Bia e eu consigamos viver em menos espaço, um ape maior proporcionaria mais conforto pra ela tocar o business dela, ter coisas que achamos importante como uma cama grande, sofá confortável, ar condicionado em ao menos um comodo e uma cozinha bacana com bons eletrodomésticos. Aqui entra novamente a questão do emprego de dinheiro: focar em comprar coisas de qualidade e que se adequem a nossa realidade invés de simplesmente comprar o mais barato. Prefiro pagar R$ 1500 num fogão de indução, fácil de limpar que 300 num fogão comum.

5- Carro. Nem 8 nem 80. Já tive carro bom zero km, já andei de usadão com mais de 20 anos. Hoje não faria nenhum nem outro. Compraria um popular completinho, discreto, semi-novo. Acredito que devo focar em segurança e economia, coisas que os carros mais velhos não oferecem. Carro é um mal necessário, mesmo aqui em Portugal sou obrigado a ter carro (2 ainda por cima), ter carro como um Corolla no Brasil é pagar um absurdo pra comprar, pra manter, chamar atenção, gastar muito combustível, ter dificuldade pra estacionar, etc. Enquanto isso um March ou HB20 da vida faz um trabalho muito melhor com custo inferior e ainda te deixa low profile.

6- Lazer e Viagens. Aproveitaria muito mais o tipo de lazer que gosto. Tenho certeza absoluta que em Portugal já fui ao cinema mais vezes que toda minha vida no Brasil. Quando morava no Brasil quase nunca ia ao cinema porque era "caro" (se voce converter BRL por EUR o preço aqui é o mesmo). Conheço mais da Europa e EUA que do Brasil, não conheço praticamente nada do estado de São Paulo além da grande SP, grande Campinas e baixada santista. Argentina e Paraguai estão logo alí e só fui uma vez, não conheço Gramado, Curitiba, Florianópolis, Brasília... Caralho, SP é a cidade da américa latina com mais bares, restaurantes e baladas, muitas vezes de qualidade muito superior a de cidades badaladas como NYC e Paris. Vá numa balada de Las Vegas pagar USD 20 num copo de vodka barata com água com gás e me fala o que achou... Os dias mais felizes que me lembro foram fazendo coisas simples: um sábado de 2007 ou 2008 que Bia e eu caminhamos bastante numa região da cidade, férias que passamos em Santos (foi uma das melhores de nossas vidas), uma "viagem" ao interior de São Paulo em 2006 que foi literalmente paga com moedas que juntamos por meses. Acredito que o Brasil tem muita coisa a oferecer e nós simplesmente ignoramos.

7- Teria um propósito de vida de longo prazo. No momento que Bia e eu decidimos que não teríamos filhos também optamos por abrir mão das coisas boas que a paternidade pode trazer e uma dessas coisas boas é ter um propósito de vida. Quem é pai/mãe tem, ou ao menos deveria ter, seu filho como projeto de vida (por isso acho que criar um filho deve ser um trabalho full-time de um dos pais e que single mom ou single dad é o que está destruindo a humanidade). Nós não temos esse propósito de vida então um dos efeitos colaterais de nossa decisão é ficar meio perdido sem saber o que fazer, então devemos estabelecer um norte para onde seguir. Atualmente vejo esse norte como uma empresa de porte razoável que eu consiga manter por décadas e através dela gerar valor para pessoas a volta, pretendo criar um ambiente de trabalho que retenha boas pessoas e onde elas possam se desenvolver ao mesmo tempo que com o ganho financeiro eu consiga usufruir de uma vida confortável e doar para pessoas e instituições que julgar necessário além de ajudar jovens de dentro da família. Parece um papinho de auto-ajuda, mas realmente acho possível fazer isso. Parafraseando meu amigo Frugal: "Um homem sem vontade não vai resultar em nada"

Antes que alguém sugira nos comentários vou deixar claro que a decisão de não ter filhos foi talvez a única coisa que jamais nos arrependemos de ter feito e que não, não vamos mudar de ideia e que quase 10 anos depois da minha vasectomia as chances de reversão são praticamente zero.

8- Cuidar da saúde. Os quarenta estão batendo na porta e simplesmente não posso mais ser relaxado com a saúde. Primeiramente preciso focar no equilíbrio emocional, durante anos joguei a sujeira dos meus problemas de saúde mental pra baixo do tapete, aqui em Portugal toda essa sujeira acumulada se espalhou como num furacão. Sempre tive alguns problemas do tipo crises de ansiedade ou do panico (eventos onde um stress agudo provocava umas coisas bizarras como uns semi-desmaios, contrações musculares involuntárias, auto-agressão, taquicardia, etc), sempre depois desses episódios, quase todos acompanhados de perto pela Bia, eu me sentia mal pelo ocorrido mas acabava empurrando de barriga. Não dá mais. Tenho que tratar isso porque agora tenho consciencia que não sou um super-homem e que tenho problemas. Considero o fato de já estar tratando a depressão como um excelente começo mas sei que isso será pra vida toda. Preciso manter uma rotina de exercícios físicos aliados com alimentação equilibrada o que pra mim significa comer o que quiser de maneira equilibrada e me exercitar com frequencia. Comer somente peixe e frango e me matar 2 horas por dia 6 dias por semana na academia não é uma opção. Troco uma década de vida por comer o que gosto sem exageros.

9- Aprendizado útil. Sempre fui um cara curioso que gosta de aprender um pouco de tudo mas isso me coloca numa situação onde sei diferenciar um motor ciclo otto de wankel, como fundir alumínio, porque os carros soviético não possuiam limpadores de para brisa e como pousar um avião mas sei pouco sobre contabilidade de empresas, como o software operacional das lojas podem ajudar a baixar a carga tributária ou como fazer marketing digital. Pareço conhecimento de escola que te ensina análise sintática mas não como fritar um ovo ou como lidar com uma pessoa infartando. Preciso buscar conhecimento útil para melhorar a qualidade dos meus investimentos e prosperar uma empresa.

10- Deixar de ter medinho de empréstimos. Meu pai sempre deveu dinheiro pra todo mundo: amigos, família, agiotas, cartões de crédito, bancos, e por isso criei uma total aversão a dívidas. Se isso é muito saudável na pessoa física (e acredito que não mudaria isso), nem tanto na pessoa jurídica. Hoje entendo o conceito de "dívida boa" e aceito utiliza-lo na PJ. No passado fiz negócios extremamente alavancados mas isso me tirava o sono e meu objetivo maior sempre foi pagar empréstimos o mais rápido possível mesmo que isso significasse trabalhar 16 horas por dia a frente do negócio pra economizar com funcionários, deixar de ter bom estoque e estrangular o crescimento da coisa. Poucas empresas, independente do porte, possuem dívida zero. Se por um lado é um prazer quase sexual ir pra casa depois de um dia de trabalho sabendo que não tem um boleto nem parcelas pra pagar, por outro corta a salubridade da empresa, é como ter um V8 com 4 velas pifadas, ele vai andar mas não vai desenvolver toda a potencia possível. Hoje tenho maturidade para administrar uma situação dessas.

11- Deixar de ser 8 ou 80 com tudo. Brasil está ruim a solução é ir morar fora. Sou minimalista, logo não posso ter um carro que presta. Gosto de viajar, tem que ser para o exterior, ficar 30 dias e conhecer 20 cidades. Quero crescer uma empresa, vou trabalhar 16 horas por dia, 7 dias por semana. Isso tudo são coisas que já fiz no passado e que não fazem sentido, sempre fui muito extremista e isso me trouxe mais problemas que solução, sendo que muitas vezes me fodi imensamente. Tenho que ser mais equilibrado em todas as áreas da minha vida.

12- Cagar um pouco no desenvolvimento pessoal. Isso pode parecer heresia na nossa comunidade mas acho que durante os últimos anos foquei demais no "auto desenvolvimento" e o resultado foi uma quebração de cara desenfrada, muita frustração e pouco resultado prático e útil. Isso tem a ver com o que disse sobre buscar conhecimento mais útil e sobre gastar dinheiro com mais consciencia. Não cheguei ao ponto das modinhas como acordar as 5 da manhã (embora reconheça os benefícios de acordar cedo acredito que mais importante é ter sono de qualidade em número de horas suficientes e ser produtivo nas horas que esteja acordado), tomar banho gelado (acho que até faz sentido mas é um desconforto que na minha opinião é idiota), ter dietas malucas (comer o que gosta faz parte da qualidade de vida, jamais me absteria de comida em troca de uma possível melhora de saúde no futuro, o segredo é equilíbrio) e fazer diários (até tentei mas achei chato pra caralho e irrelevante), porém acho que fiquei um pouco bitolado nessa vibe.

13- Não fingir de rico mas também não brincar de pobre. Não sou rico, mas também não sou pobre. Durante anos achei que status é 100% negativo mas a realidade é que em doses moderadas buscar um certo status ajuda na auto-estima, na prosperidade financeira e na qualidade de vida. Vamos ser francos, sabemos que ostentar coisas fora da realidade não fazem sentido e não trazem benefícios no longo prazo, mas ter um carro que presta, se vestir bem (não quero dizer com marcas), morar num lugar bacana, usar um bom perfume e ter uma padrão de vida compatível com seus pares te ajudará muito no dia-a-dia, trará mais conforto e segurança, trará mais confiança de possíveis parceiros de negócios (porque embora não seja racional ninguém quer fazer negócio com um mulambento de carro velho) e no fim das contas melhorará sua vida. No Brasil aparencia importa muito, esse é o jogo, se voce não joga, se foderá. Acredito que é possível ser low-profile e ter certo "status funcional" ao mesmo tempo.

14- Jogar o "jogo Brasil". A imensa maioria dos problemas psicológicos que tive durante os anos de empreendedor no Brasil deve-se a me negar a jogar o "jogo Brasil", ou em bom portugues: tocar o foda-se e fazer o que todo mundo faz mesmo se isso não for 100% certo. Sempre fui muito caxias porque cresci vendo meu pai fazendo coisas, digamos, nao muito certas, como subornar entidades publicas para obter documentos mais rápidos para seus negócios, jeitinhos estranhos e de honestidade duvidosa, etc. Acontece que se não for assim, não é possível viver no Brasil, esse é o modus-operandi da nossa sociedade, está encravado em nossa cultura e ponto final. Andorinha só não faz verão e se tentar vai acabar morrendo, esse é meu caso. Já fiquei com licença vencida na loja por não querer pagar a "propina oficial" conhecida como "taxa emergencial", já esperei tempo desnecessário por coisas que poderiam ter acontecido mais rápido, já paguei um zilhão de Reais de impostos quando todos os meus colegas sonegavam, já discuti com analista de sistemas porque queria meu software mais correto possível (enquanto o resto do Brasil usava uma versão picareta), já confundi cabeça de contador por querer fazer pro-labore acima do salário mínimo, etc. Depois que mudei pra Portugal e percebi que aqui isso não é muito diferente, que portugues deixa dinheiro em contas espalhadas pela Europa pra não pagar imposto, que trabalham " 'a negra" (sem declarar) e fazem altas maracutaias para extorquir os benefícios do governo desencanei que isso é "coisa de brasileiro". Assim caminha a humanidade e não adianta querer ir contra. O problema disso é que a linha entre o jeitinho e a ilegalidade pode ser tenue, mas isso deve ser analisado caso a caso.

15- Ajudar as pessoas. Acho que todos nós podemos e devemos ajudar as pessoas, voce pode não ter condições financeiras de fazer uma doação mas voce pode doar sangue, por exemplo. Doar sangue é algo que praticamente todo mundo pode fazer e poucos fazem. Penso que devo dedicar tempo e dinheiro para caridade e isso tem a ver com o que disse sobre ter uma empresa sólida no longo prazo. Um empresário pode começar a ajudar outros dentro de sua própria empresa com medidas como pagando bem quem merece, estabelecer boas condições de trabalho, ambiente agradável de se trabalhar, um bom pacote de benefícios. Esse é um jogo de ganha-ganha porque funcionário contente trabalha melhor, tem menos rotatividade, enche menos o saco, falta menos, seu cliente fica mais feliz e compra mais. Acho também muito importante não usar caridade para agradar ego, por isso idolatro pessoas que fazem caridade de maneira anonima e não ficam arrotando o que fazem ou deixam de fazer. Esse é o rumo que desejo tomar.

Bom, essas foram 15 coisas que eu faria diferente se voltasse hoje ao Brasil. Acredito que dificilmente enxergaria isso se não tivesse passado por essa experiencia em Portugal, acho que amadureci muito nesses últimos meses e com certeza voltando ao Brasil terei uma vida bem melhor que no passado.


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