domingo, 26 de fevereiro de 2017

E-commerce, Grandes Redes e o Futuro do Pequeno Comerciante

Esse post foi publicado originalmente no antigo Blog do Corey e não necessariamente representa a atual opinião do autor.

No meu último post sobre empreender com simplicidade surgiu um interessante assunto: como o e-commerce e a concorrência das grandes redes de varejo está afetando a vida do pequeno comerciante. Hoje vou dar um pouco da minha opinião sobre esse assunto.



Tenho empreendido na forma de lojas de varejo a mais de 10 anos, já tive diversas lojas nos mais diferentes perfis de bairros, compradas com os mais diferentes objetivos, em breve pretendo fazer um relato sobre cada loja que tive, mas o objetivo agora é amparar meu ponto de vista nessa experiência que possuo. Vou resumir minha opinião: não vejo um futuro a longo prazo ao varejo independente e pra embasar melhor essa minha opinião vou descrever como enxergo os seguintes ramos: mercados, açougues, farmácias e postos de gasolina. Veja que esses ramos são o que considero tradicionais e que sempre deram dinheiro, são pontos de venda que praticamente 100% das pessoas frequentam todos os meses, não são sazonais (não diretamente), não são modinha, não são gourmet (em sua maioria), enfim fazem parte daquilo que sempre digo serem bons ramos pra se investir em comércio. Pode parecer inconsistente que primeiro eu diga que esses ramos são bons e depois decrete o fim deles mas explicarei melhor no final.

MERCADO: o nicho de mercados que o pequeno comerciante normalmente explora são os de mercadinhos de vila montados em pequenos salões, com variedade limitada de mercadoria e normalmente conhecidos por terem preço alto, o que nem sempre é verdade mas não importa, o que importa mesmo é a imagem que a população tem. As vantagens para o consumidor é a conveniência da localização próxima a regiões residenciais (ou mesmo dentro delas), agilidade de atendimento (dificilmente há filas), o tamanho compacto também ajuda na agilidade porque não é necessário andar quilômetros dentro de corredores e como quase nunca há rotação de mercadorias, o cliente sempre sabe onde está o que procura. As desvantagens ao cliente é o preço virtualmente maior que o das grandes redes, a baixa variedade de mercadorias e muitas vezes a baixa qualidade de alguns produtos.

  • INFLUÊNCIA DO E-COMMERCE: aos poucos grandes redes de supermercado estão trilhando certo sucesso na venda de "groceries" (desculpe, não sei um equivalente em português) pela internet. Isso se torna particularmente mais forte no público de alta renda e mais jovem. Ao andar por bairros de alto poder aquisitivo em São Paulo é normal ver os caminhõezinhos do Pão de Açúcar entregando nos prédios. No meu ponto de vista o e-commerce de supermercados ainda demora pra pegar, o cliente normalmente quer ver o que está comprando, pesquisar preços mais rapidamente (o que pode ser feito pela internet mas não é tão simples quanto olhar na prateleira), etc. Aqui os pequenos saíram na frente a muitos e muitos anos com a entrega a domicílio com bicicletas (muito comum na região central de São Paulo).
  • GRANDES REDES: aqui o bicho pega! De uns 5 ou 6 anos pra cá estamos presenciando uma verdadeira invasão das grandes redes de supermercado nos mercadinhos de vila. Pão de Açúcar Minuto, Mini Extra, Carrefour Express são alguns exemplos. Na minha opinião isso e não o e-commerce irá destruir os pequenos comerciantes de mercado. A razão é simples, pessoas associam essas marcas a boa variedade de produto com bom preço, o que não necessariamente é verdade todas as vezes mas novamente, o que importa é a imagem. Pra driblar isso existem vários modelos de franquias, associativismo e compartilhamento de bandeira mas isso tudo só faz diluir essas marcas trazendo pouca ou nenhuma expressão a não ser que o cara domine determinada região, o que de fato acontece muito principalmente nas periferias. Os grandes players estão mais concentrados atualmente nas regiões centrais das cidades mas é perceptível que estão expandindo para bairros grandes, depois será a vez dos bairros médios até dominarem a esmagadora maioria do mercado consumidor.
  • FUTURO DO COMERCIANTE DE MERCADO: acho que aqueles que estão nas regiões mais periféricas ainda terão ao menos mais uma década de relativa tranquilidade até serem engolidos pelas grandes redes varejistas. Aqueles que estão em locais onde essas redes já estão presentes acabarão encerrando suas atividades a não ser que "sejam criativos e busquem nichos que os grandes não conseguem explorar" , coloquei em itálico e sublinhado porque acredito que isso é possível somente para talvez 1% da galera, pro resto isso não é factível por diversos motivos: o empresário pode não ter saco pra tentar fazer isso, nichos se esgotam, falta dinheiro ou não é financeiramente viável, etc. É impossível concorrer com os grandes mesmo se você tiver uma loja melhor em qualidade e variedade de mercadoria, tiver preço melhor, tiver atendimento melhor... Mesmo assim o cara acaba indo no grande porque o cérebro manda. Eu faço isso e aposto que você também!
AÇOUGUE: os açougues estão espalhados por todo o país e são basicamente de dois tipos: os pequenos quase sempre tocados por seu próprio dono e os médios que normalmente pertencem a uma rede média que possui algumas dezenas de pontos de vendas. Ambos os modelos podem ser considerados empresas pequenas porque não possuem o modelo de empresas gigantes com capital aberto ou multinacional como acontece com mercados e farmácias, ou seja, açougue é na essência um comércio para pequenos comerciantes. O grande calcanhar de aquiles do ramo é a qualidade, é em volta dela que tudo gira, existe grande desconfiança em relação a higiene, qualidade, honestidade em relação a levar pra casa aquilo que realmente está comprando, etc.
  • INFLUÊNCIA DO E-COMMERCE: praticamente não existe e-commerce de carnes e o pouco que existe está relacionado com o e-commerce de mercados como relatei acima. Veja que aqui está uma grande característica que pode cutucar todos os ramos: os mercados vendem de tudo, logo o crescimento do e-commerce deles afeta todos os ramos, da venda de arroz a de remédios, passando pelas carnes. Concluo que o perigo para o dono de açougue é o crescimento e ampliação do e-commerce de mercados. ((by the way, a Swift também tem e-commerce (entenda a baixo)).
  • GRANDES REDES: não existem grandes redes de açougues (ao menos desconheço) mas um modelo de negócio muito interessante está despontando e acredito que venha pra ficar. A Swift (empresa fodona de carnes) lançou a algum tempo suas lojas de carnes que são pontos de venda sem manipulação de carnes, onde é venda somente a venda dos mais diversos cortes, tudo congelado e, diga-se de passagem, de altíssima qualidade. Lembra que falei sobre tudo girar em torno de qualidade? A Swift tem lojas bonitas, limpas e vende carne excelente por preço de mercado. A imagem das lojas transmite credibilidade ao contrário da esmagadora maioria dos atendentes de açougue, o fato da carne ser manipulada em ambiente industrial onde (teoricamente) há um rígido controle de higiene e qualidade aumenta ainda mais essa imagem. Além desse novo formato de venda de carnes é preciso entender que  não exista grandes redes de açougue mas as redes de supermercados influenciam muito o ramo. Por um lado essa influência não parece ser tão relevante afinal os mercados parecem vender carnes desde sempre e mesmo assim os açougues sobreviveram, na minha opinião isso deve-se a duas coisas: má fama da carne de mercado o que não parece ser verdade ao menos nos dias de hoje e resistência por parte do consumidor em comprar carnes pré cortadas em bandejas o que por muito tempo tem sido o padrão em mercados que combatem isso com balcões de atendimento. Vejo o exemplo dentro de casa: meu pai sempre repetiu que carne de mercado não presta, mas ele é um cara que parece conhecer carne, distinguir um pedaço de alcatra de um de maminha; característica essa que poucas pessoas possuem ou ao menos levam anos pra adquirir. Eu particularmente prefiro comprar carne olhando pra ela numa bandeja que pedindo pra um cara e descobrir o que comprei somente quando cheguei em casa... Esse parece ser o padrão da minha geração.
  • FUTURO DO COMERCIANTE DE AÇOUGUE: difícil dizer como isso caminhará, talvez daqui uns 3 ou 4 anos as coisas estejam mais claras mas basicamente acho que os açougues ainda continuarão firmes por mais tempo por diversos motivos relacionados a diversas características das diferentes classe sociais: os pobres encontram comodidade em comprar carne perto de casa, na promoção, mesmo sem saber ao certo o que estão comprando ou com qualidade duvidosa. A classe média pode resistir mais tempo ao "carne de bandeja é ruim" e continuar comprando no açougue, os ricos provavelmente não gostam do pré preparo das carnes de mercado ou da praticidade das Swift da vida (que ainda não possuem concorrente mas que com certeza terão num futuro próximo), ou seja, muitos açougues de "nicho" ainda serão necessários nos próximos anos. Uma coisa importante pra lembrar é que açougue é (e deve ser mesmo) extremamente regulado pelos órgãos de fiscalização, isso é um grande problema ao comerciante porque traz dor de cabeça e aumento de custos, mas se o cara entra num ramo desses não tem o direito de reclamar sobre isso.

FARMÁCIA: outro tradicional comércio espalhado por todos os confins do Brasil, todo bairro tem ao menos uma farmácia pequena quase sempre tocada pelo farmacêutico onde você pode não encontrar o melhor preço e variedade mas terá uma explicação sobre como tomar um remédio ou mesmo uma consulta informal onde não é preciso marcar hora com o profissional de saúde, nem dizer seu nome, basta falar que você anda meio brocha e que precisa de uma vitamina, o cara do lado de dentro do balcão vai te ajudar sem julgar por isso. O grande problema em empreender nesse ramo é o custo elevado de estoque, de mão de obra e a regulação estatal.

  • INFLUÊNCIA DO E-COMMERCE: a internet pode não matar as farmácias pequenas mas com certeza tem machucado muito, quase todo mundo que conheço e faz uso contínuo de determinado medicamento acaba comprando on-line por preços inacreditavelmente menores que qualquer farmácia física. O e-commerce de medicamentos parece ser forte mas esbarra em diversos obstáculos: se você tem uma dor forte não vai esperar 2 dias pra receber seu remédio, se você precisa de um remédio controlado não conseguirá comprar pela internet, alguns remédios que tem descontos diferenciados ou planos de saúde que oferecem descontos somente podem ser adquiridos em determinadas redes e em suas lojas físicas, ou seja, o e-commerce tende a matar o comércio de medicamentos de uso contínuo mas não os de uso emergencial ou com características especiais. Sem contar que como disse acima muitas vezes você quer conversar com o farmacêutico sobre algum assunto o que não ocorre pela internet, ou seja, o fator humano ainda é muito importante nesse ramo.
  • GRANDES REDES: as grandalhonas do ramo de farmácia estão expandindo feito malucas, parece farmácia é o único comércio que está crescendo (realmente é, basta ver os números), aqui na minha região aparece uma Drogaria São Paulo nova e logo uma Drogasil, Droga Raia e PagMenos, ou seja, um lugar que fora dominado por determinada farmácia independente durante anos, de repente é tomada por 3 ou 4 lojas de grandes redes que ofereceram uma variedade de mercadoria muito maior por ao menos o mesmo preço que o comerciante do bairro. Impossível concorrer! E se as fodonas não fossem o bastante ainda temos o nosso velho amigo (ou inimigo) supermercado de rede que está em todos os lugares e comendo por todos os lados. Praticamente todo supermercado de tamanho razoável tem sua própria drogaria que segue o mesmo padrão de trabalho que as big box do setor.
  • FUTURO DO COMERCIANTE DE FARMÁCIA: acho que as farmácias seguem o mesmo que disse sobre mercados, haverá uma forte quebradeira nos próximos anos e depois os fortes sobreviverão e explorarão nichos específicos, a regulação, o alto investimento, a redução da rentabilidade, o desinteresse da população pelos serviços oferecidos pelos pequenos em prol da variedade e preço dos grandes irá tirar muita gente do mercado.
UMA VISÃO DO EXTERIOR

Sempre que viajo tento entender como os modelos de negócios funcionam pra tentar prever como a coisa evoluirá no Brasil, já que querendo ou não, a influência e tendência sempre começa lá fora.

Nos Estados Unidos existem poucos comércios que não são pertencentes a grandes redes ou franquias, os mercadinhos existem de maneira muito semelhante ao Brasil, quase todo mall americano tem um mercadinho tocado por independente (quase sempre imigrante indiano ou latino) mas esses mercado possuem a caraterística de nicho: vendem produtos étnicos, regionais, prestam serviços financeiros, obtêm renda de outras fontes como comissões de caixas eletrônicos e loterias, grande parte estão dentro do formato de lojas de conveniência junto a postos de combustível recebendo comissões da venda de gasolina, etc. Assim como aqui eles não parecem sentir muito o peso do e-commerce pois o modelo é baseado na conveniência e urgência, mas sentem a fortíssima concorrência das grandes redes como 7-11 e Race Track. O WalMart retirou quase a totalidade de mercados médios (recomendo ler a biografia do Sam Walton) e mesmo várias redes grandes. Açougue como conhecemos aqui é raríssimo de se ver e quando existe é quase sempre algo gourmet vendendo carnes diferentes, todo mundo compra carne no mercado. Lá na terra do Tio Sam praticamente não existem farmácias independentes, sendo que o mercado é dominado por Walgreens, CVS e as farmácias dos mercados. As poucas independentes servem a públicos específicos como imigrantes.

Não manjo muito de Europa mas o que vejo por lá é um modelo de supermercados bem semelhante ao que temos aqui: mercadinhos de vila independentes são bem comuns assim como os minis das grandes redes, a diferença é que os independentes parecem ser mais fortes que aqui, talvez por terem aparência mais profissional e próxima a das redes, talvez por alguma preferência do próprio consumidor. Açougues são comuns e semelhantes aos daqui mas sofrem grande concorrência dos Mercadões Municipais que assim como o de São Paulo, reúnem todo tipo de mercadoria sendo que o comércio de carne parece ser particularmente forte. O modelo de farmácia é completamente diferente ao que encontramos no Brasil e EUA, por lá existe a forte figura do farmacêutico em pequenos estabelecimentos, não existem lojas grandes e parece haver grande controle de preço o que acaba diminuindo drasticamente a concorrência. Em Portugal o valor do medicamente vem escrito na receita e tanto faz onde você vai comprar que pagará o mesmo valor (subsidiado), na Espanha existe algo semelhante a isso, portanto aqui não vejo como comparar.

Resumindo: se você pretende ter um comércio pro resto da vida, fazer carreira em determinado ramo acredito que deva pensar melhor nessa estratégia, mas existem N outras maneiras de ganhar dinheiro com comércios. Na minha opinião querer formatar uma empresa de maneira a ter um crescimento orgânico e deixa-la para seus herdeiros não é factível pois estamos vendo muitas modificações no mercado e muitas outras virão, a vida do comerciante pequeno está cada vez mais difícil e ficará ainda pior. Dá pra surfar em algumas ondas e depois sair delas enquanto é tempo mas esperar um mar tranquilo e com bons ventos é temerário.

Bom, por hoje é isso, espero que minha opinião seja útil e que tenha conseguido trazer informações relevantes a blogosfera.


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