quinta-feira, 28 de maio de 2015

Sobre os Perrengues da Primeira Loja

Esse post foi publicado originalmente no antigo Blog do Corey e não necessariamente representa a atual opinião do autor.

Cresci ouvindo meu pai falar que não é possível ter as coisas sem fazer prestações, que absolutamente não existe possibilidade de se guardar dinheiro por livre e espontânea vontade. Esse mesmo pai sempre quis ser rico, ter carrões, se achar o fodão quando tivesse dinheiro. Só que ao longo da minha infância e adolescência o vi quebrando e se reerguendo ao menos umas 10 vezes. Não tiro o mérito da batalha, coisa que o velho sempre fez, jamais ficou com a bunda no sofá esperando o governo ajudar ou um Dharma pack cair do céu, sempre foi pra cima pra tentar se levantar.

Mesmo reconhecendo esse lado batalhador do meu velho eu sempre soube que ele fazia coisas erradas, ridiculamente erradas e nunca acreditei 100% nas coisas que ele me falava sobre grana, sempre tive um pé atrás. Não é preciso ser um gênio pra concluir que uma pessoa com sérios problemas em manter dinheiro não é o melhor exemplo a ser seguido. Quando eu estava com meus 16 anos trabalhava com um velho português o qual considero meu "pai rico", uma clássico exemplo de pessoa esperta (portugueses são burros... sei... você já viu português ou japonês pobre?), uma pessoa com tino pra lidar com dinheiro. Enfim, com 16 anos já tinha ouvido alguns conselhos que me pareciam mais inteligentes que os do meu "pai pobre" (meu pai mesmo), mas a falta de maturidade não me deixava discernir o certo do errado.

Aos 17 anos, após muita pressão da família (todo mundo da família do lado do meu pai é algum tipo de empreendedor e acha que ser funcionário é assinar o atestado de fracasso) comprei minha primeira loja. Uma biboca que, embora em excelente ponto comercial, não tinha mercadoria, era feia, velha, ultrapassada, endividada com fornecedores, tinha dívidas trabalhistas, processos municipais, estaduais e federais. Meu pai, quase sexagenário me fez acreditar que aquele era um bom negócio, afinal eu não entraria com dinheiro, somente assumiria as dívidas que, na cabeça dele, eram fáceis de serem negociadas e pagas. Nunca ninguém me disse que era necessário dinheiro pra comprar mercadoria, reformar o espaço, fazer propaganda, contratar funcionários e, pasmem, ligar uma linha telefônica (nem telefone a loja tinha!). Naquele momento eu sentia que algo não estava certo, mas afinal de contas eu estava seguindo os conselhos do meu pai e de pessoas que se diziam experientes. A única pessoa que me alertou que aquilo não tinha muita chance de sucesso fora meu "pai rico". O portuga disse educadamente que achava aquilo uma furada, mas se fosse preciso, as portas da empresa dele estariam abertas pra mim. Dito e feito, pouco tempo depois eu estava usando o uniforme amarelo das lojas do português novamente. O óbvio aconteceu, o negócio não deu certo, devolvi ao antigo proprietário. Não tive prejuízo porque não tinha dinheiro pra investir, por muito pouco não perdi o Chevette, porque tive sangue frio de segura-lo.

Lá pelos 20 e poucos anos eu já tina um carrinho popular, uma moto e alguns trocados. A vontade de empreender estava mais forte do que nunca graças a pressão familiar e a vontade de ter o status de empreendedor que eu via todos os domingos no Pequenas Empresas Grandes Negócios. Eu realmente achava que ser empresário era algo bacana, que traria moral perante os familiares, tanto da minha família quanto da família da Bia (já namorávamos). Achei o anúncio de uma loja no jornal, no dia seguinte eu já estava trabalhando na minha nova aventura. Essa segunda loja foi realmente onde "peguei o ofício" de ser empresário. Fiz tudo de errado que poderia, cometi todas as cagadas possíveis, no fim ainda consegui sair com alguma grana que acabou originando minha carteira de Independência Financeira que se transformou em carteira de Emigração. Mas até chegar nesse ponto, sofri muita coisa e finalmente é sobre isso que eu quero falar hoje, sobre como é foda viver na pindaíba quando você tem uma loja.

Considero essa loja como sendo a minha primeira, a loja "zero", a loja problemática, eu nem conto porque aquilo foi algo completamente maluco e fora de propósito. Entrei nessa primeira loja com todo o dinheiro que eu tinha no banco e um refinanciamento do meu popularzinho, além disso assumi altas prestações durante alguns meses (acho que 24, se não me falha a memória), sem contar uma sociedade atrapalhada que não durou muito. A loja precisava de mercadoria, então peguei empréstimos familiares pra estoca-la. Durante o decorrer da coisa, fui tomando novos empréstimos bancários, afinal o CNPJ era antigo então linha de crédito é o que não faltava. No meio do caminho Bia e eu fomos morar juntos, mobiliamos apartamento, dobramos nossa despesa mensal do dia pra noite, compramos mais um carro... Pouco depois disso compramos nosso apê financiado. Separação entre PJ e PF? Pra quê? "Isso é coisa de empresa grande, lojinha de bairro o dono gasta o que ganha" (palavras do meu pai pobre). Quando nos demos conta a bucha era gigante, eu devia um rim e quem sabe um pedaço considerável do fígado...

Aí a ficha caiu de quanto degradante é para um micro-empresário não ter dinheiro. Se você é uma pessoa com problemas financeiros provavelmente sabe das frustrações que passa por não ter coisas que gostaria de ter, por não poder ir naquele restaurantes com os amigos, ou ter que andar de busão por não ter grana pra comprar um carro, enquanto seus colegas de trabalho andam ao menos de Uno financiado. Eu era um empresário, estávamos no auge econômico do Brasil, meus vizinhos comerciantes estavam reformando suas lojas, os concorrentes tinham estoque transbordando as gôndolas e eu contando cada centavo das compras da loja, perdendo vendas por falta de mercadorias, com a loja caindo aos pedaços e sem um puto pra reforma-la... Só não quebrei porque o ponto era (ainda é) muito bom e mesmo com essas dificuldades eu tinha clientela. Ao mesmo tempo vendi o carro novo, troquei o carro velho por um mais velho ainda, andava de moto pra economizar gasolina, comíamos salsicha com pão toda noite. Nossa diversão era pedir uma pizza barata da padaria no sábado a noite e assistir SBT na nossa 20". Após mais de um ano nessa pindaíba, eu trabalhando 12 horas por dia mais faculdade, Bia em 2 empregos mais faculdade, finalmente terminamos de pagar todas nossas dívidas. Continuei nessa loja mais algum tempo, melhorei o movimento e o estoque, troquei de carro (por um popular zero) e fizemos nossas primeiras viagens. Vendi a loja, tirei um sabático, iniciei o blog e comprei minha loja atual.

Passar perrengue quando você é pessoa física é uma coisa, como pessoa jurídica é outra completamente diferente porque além de sua empresa estar ruim das pernas, automaticamente suas contas pessoais também estarão. Não gosto de ser vitimista, mas a verdade é que é extremamente humilhante você ser o comerciante quebrado perante os outros que estão bem, com suas lojas bonitas e com faturamento crescente. isso me fez muito mal. Além disso os próprios clientes percebem quando sua loja está mal das pernas e isso é de matar. Certa vez um cliente vira pra mim e pergunta: "Vocês estão pra fechar? Quase não tem mercadoria...". Fiquei sem reação, nem lembro qual foi minha desculpa pra aquilo. Eu sei é que aquelas palavras jamais saíram da minha cabeça, fiquei muito mal na época, mas por fim aquilo serviu de incentivo pra eu sair ainda mais rápido daquela crise. 

Não sou daquelas pessoas que sente orgulho de ter passado necessidade, até porque eu não passei tanto perrengue assim, mas essa experiência de estar quase quebrado me fez aprender muita coisa. Aprendi que não quero ser como meu pai, com altos e baixos financeiros, não quero ser rico, mas quero sempre ter uma vida confortável, espero nunca ter que dar passos pra trás. Aprendi que os sustos e crises nos fazem aprender muito. Quando eu vendi essa primeira loja, meus colegas de ensino médio estavam entrando no mercado de trabalho após terminarem suas faculdades e pós graduações. Na época 100% eram sustentados pelos pais e eu já tinha passado por tudo aquilo. Eu estava anos luz a frente deles em todos os aspectos. isso me deixava contente. Já sabia como repartições públicas funcionavam, já havia aprendido como a camaradagem, o "buddy system" político brasileiro funcionava (meu concorrente tinha uns brothers na política e levava muitas vantagens com isso), já havia sofrido violência, já havia trabalhado 18 horas por dia por mais de 10 dias consecutivos, já contratara e demitira, já lidara com fiscais dando indiretas por propinas (me orgulho por ter pago multas, não propinas), por saber lidar com toda sorte de clientes, etc... Essa loja me deixou alguns "calos" como o de fugir de dívidas, mesmo aquelas boas, de tentar fazer todo negócio somente a vista, de fugir de todo tipo de imprevisibilidade.

Passar perrengue nos faz crescer mas espero não mais ter que passar por isso.


Nenhum comentário:

Postar um comentário