quarta-feira, 25 de março de 2015

Empresas Nanicas X Grandes; Escala; Matemática para Empresários

Esse post foi publicado originalmente no antigo Blog do Corey e não necessariamente representa a atual opinião do autor.

Não, as coisas não se acertaram, como disse na última postagem, estou passando por uma fase turbulenta nas lojas graças principalmente a falta de mão de obra qualificada, sem contar é claro com a precariedade da nossa infra estrutura que está me deixando louco: é atraso de entrega de mercadoria, é buraco que estoura roda do carro, é falta de eletricidade e internet, trânsito cada dia mais insano... Mesmo assim decidi dedicar um tempo ao blog (mentira, estou com insônia, então decidi escrever um pouco) e tentar completar minhas promessas de postagens do mês.

Hoje vou falar sobre empreendedorismo, mais precisamente sobre uma coisa que ouço e leio pouco por aí que é como a escala de um negócio pode afetar de maneira positiva ou negativa o desempenho de uma empresa. Nem sempre aquela empresa linda, luxuosa, com acabamento de primeira dentro de um shopping center é lucrativa e tem um dono rico; da mesma maneira que aquele boteco sujão da periferia que vende Itaipava, 51 e tem uma mesa de sinuca carcomida na entrada é sinônimo de dono pobre. Vejam os exemplos a seguir.


O dono desse boteco aí deve ser um quebrado,
andar de 147... Será?
Maria é cabeleireira a 10 anos, após trabalhar durante anos em salões de bairros nobres de São Paulo como Higienópolis, Moema e Jardins percebeu que muitas clientes simplesmente não conseguiam chegar ao salão simplesmente porque o trânsito não deixava, outras evitavam sair de casa por medo da violência e também visitavam cada vez menos o salão. Então Maria decidiu juntar uns trocados, comprou equipamentos profissionais, cosméticos de qualidade, colocou tudo no porta-malas do seu Ford Ka 1999 e atende clientes a domicílio. Investimento: R$ 3.000,00; faturamento bruto mensal R$ 8.000,00, lucro líquido R$ 6.000,00. Dois anos depois Maria e sua família mudaram para um apartamento melhor e o Ka 99 foi trocado por uma Meriva 2007, seu filho estuda em colégio particular e eles estão planejando a primeira viagem internacional da família.

Nossa, que loja linda, é a cara da riqueza, o dono
deve estar nadando na grana... Claro... Claro...
Jorge é metalúrgico, após um programa de demissão voluntária se desligou da montadora onde trabalhou durante mais de 20 anos, pegou uma bolada de indenização e decidiu que era a hora de ter seu próprio negócio. Encontrou uma franquia internacional de restaurantes iniciando a expansão no Brasil, após participar de uma reunião com o franqueador master, ficou apaixonado pelo modelo de negócio e pelos números da planilha do Ipad do franqueador. Jorge viu que não teria a grana toda para o investimento, cerca de R$ 700.000,00 então chamou mais dois ex-colegas de empresa para entrarem de sócio com ele no restaurante. Jorge e seus amigos montaram uma linda operação num shopping center do ABC paulista, com cerca de 40 funcionários, aluguel na casa dos R$ 15.000,00 mensais mais taxa de royalties e fundo de propaganda. Não tinha o que dar errado, afinal o restaurante do trio chegava a faturar R$ 70.000,00 num único dia, porém... deu errado! Um ano depois de aberto Jorge percebeu no escritório climatizado cheio de monitores de segurança de seu lindo restaurante que sua operação girava muito dinheiro, mas não sobrava nada no fim do mês, e pior, alguns meses havia deficit, o que os obrigou a recorrer a empréstimos bancários, abundantes pra quem tem uma empresa como essa. Dois anos depois de aberto Jorge e seus amigos fecharam o restaurante, saíram com uma mão na frente, outra atrás e uma dívida de 6 dígitos.

Dois pés atrás com uma instituição que tenta ensinar
prática através de material didático padronizado, como
se empreendedorismo fosse tudo a mesma coisa.
Os dois exemplos acima são reais, preservei os nomes, mas conheço pessoalmente ambos os casos. Claro que são dois negócios e realidades completamente diferentes, mas dá pra aprender muita coisa com isso. A primeira coisa que aprendemos é NUNCA SUBESTIME UM NEGÓCIO POR SEU TAMANHO. Maria tem uma empresa praticamente invisível, mas tem meses que fatura líquido acima de 10k, poucos dão valor, aposto que muitos devem desdenhar do trabalho dela, achar que ela é mais uma amadora que trabalha de porta em porta implorando serviço... Ledo engano... Maria deve estar fazendo por volta de 100k líquido por ano! Quantos empregados de baixa escolaridade você conhece que fazem isso? E quantas empresas? Óbvio que a empresa de Maria está mais pra autônomo que pra empresa, até porque tudo gira em função dela, não é possível expandir nem replicar a ideia de maneira realmente eficaz, se por algum motivo ela não trabalhar ficará sem renda, etc. Isso é o que os empreendedores de Sebrae falarão, que isso não é empresa e mi mi mi, mas a verdade nua e crua é que ela ganha dinheiro e o fato de ter cabeça e saber como lidar com o dinheiro está deixando-a literalmente rica! Mais rica que muito administrador, bacharel de direito, tecnólogo de empreendedorismo, pseudo especialista, etc. Assim como o negócio de Maria existem  vários outros que fazem muito dinheiro e ninguém dar valor: empresa de banho, tosa, passear com cachorro; oficina mecânica; empresa de marmitex (ou quentinha para os cariocas); empresa de limpeza pós obra e limpeza doméstica em geral, etc. São empresas vistas no meio do empreendedorismo com desdém pelos empresários fodões que possuem empresas lindas, bem instaladas, com ar condicionado, estacionamento pra clientes, 50 funcionários,  múltiplas operações. Porém quase sempre esses empreendedores nanicos não possuem dívidas porque não tiveram acesso a crédito no começo, no máximo pegaram um empréstimo familiar. Aprenderam como trabalhar na prática e 100% das vezes o conhecimento empírico é 100% mais importante que o teórico.

A segunda coisa que aprendemos com esses exemplos é: NÃO ENTRE NUM NEGÓCIO QUE VOCÊ NÃO CONHECE. Jorge jamais pisara do lado de dentro do balcão de um restaurante antes de investir quase 1kk em sua franquia, foi obrigado a aprender como administrar o negócio na marra, porém ao contrário dos negócios nanicos, os grandes são muito mais complexos e aqui que entra o lance da escala que pouca gente pensa. Administrar um bar é fácil, administrar 10 bares é muito mais difícil, e não é 10 vezes mais difícil, é 20 ou 30 vezes pior porque além dos problemas que o bar único tem ele terá problemas novos que surgem justamente devido a escala. Uma analogia cretina: um avião feito com uma folha de sulfite voa perfeitamente, experimente dobrar uma folha de papel pardo no formato de avião. Ele voará igual ao pequeno? Não, definitivamente, não. Isso porque a escala influencia no desempenho. O mesmo acontece com as empresas.

A terceira lição é JAMAIS CONFIE EM NÚMEROS NUMA PLANILHA, Jorge deixou-se seduzir pelo canto da sereia do excel. Um cara engravatado, preparado pra vender um produto (no caso a franquia) com números tentadores na frente de uma pessoa inexperiente no mundo dos negócios é a chave do fracasso. Como diria meu pai: o papel (ou o computador) aceita tudo. É preciso mais que números pra se comprar uma empresa, é preciso sensibilidade, dar uma de Sherlock e enxergar aquilo que ninguém vê, são nos pequenos detalhes que você percebe se um negócio é bom ou não. Aí você me pergunta: Corey, eu não tenho experiência, eu nunca comprei um negócio, como saber se eu conseguirei ver esses detalhes? Simples: ou você tem alguém de absoluta confiança e experiente do seu lado pra minimizar o risco (porque nada garante que o cara estará certo) ou simplesmente arrisque, mas se for pra arriscar, pelamordedeus não arrisque sua indenização de 20 anos de trabalho num negócio. Comece pequeno, vá aos poucos e outra coisa: ADQUIRA EXPERIÊNCIA. Se for necessário arrume um emprego numa empresa do ramo que você quer comprar, foda-se que você vai ganhar salário mínimo e seus amigos te verão num uniforme, o que você quer é experiência. Eu sou capaz de realizar 100% das funções das minhas lojas, se qualquer funcionário faltar, eu posso cobri-lo com competência. Nunca, mas nunca mesmo, compre uma empresa que você não sabe trabalhar em ao menos 90% das funções. Buffett faz isso porque ele tem dinheiro e conhece gente competente em todos os setores dispostas a trabalhar pra ele, mas você não é o Buffett!

Você não é o Buffett e vamos combinar: você, eu e a maioria das pessoas somos, na melhor das hipóteses, apenas medianos em tudo, não somos especiais, não somos melhores que o outro. Quero dizer que não somos super em nada, somos uns bostas então vamos nos conter em nossa bostaria e não tentar dar o passo maior que a perna. A chance de um de nós ficar trilhardário por inventar o novo Facebook é ínfima, então vamos deixar a ficha cair, acordar pra real, e lutar com aquilo que temos. Se você tem 50k pra comprar uma empresa, compre ou monte uma de 30k; se você tem 500k e nenhuma experiência, gaste os mesmos 30k, adquira confiança e depois parta pra algo maior. Dinheiro não aceita desaforo.

Como eu gostaria de viver no mundo da PEGN,
onde todos os empresários são sorridentes, usam
camisas Dudalina em seus escritórios bem
decorados com um quadro do Romero Brito...
A quarta lição é FRANQUIA NÃO É GARANTIA DE SUCESSO, muito pelo contrário, pode ser o melhor caminho para o fracasso porque normalmente os franqueados tem na cabeça a ideia que franquia é inquebrável porque leu na PEGN que X% das franquias sobrevivem ao primeiro ano enquanto 1/2X% das empresas independentes chegam lá. Fodam-se os números, eles são irrelevantes. O empreendedorismo é muito mais feeling, experiência e principalmente sorte que qualquer outra coisa. Veja meu exemplo: economia em recessão e minha loja antiga partindo pra um crescimento de 15% em 2015. Por quê? Sinceramente não faço ideia! Poderia ser ao contrário, eu poderia ter uma franquia cujo franqueador me demonstrasse por A+B que meu crescimento seria de 10% enquanto na prática poderia estar acontecendo o contrário.

A maior lição de todas é: EMPREENDEDORISMO É COMPRAR POR 5 E VENDER POR 10. Ou seja, inventem a teoria que for, mas no fim das contas é tudo uma questão de matemática simples, sua empresa pode ser resumida numa simples conta de subtração: RECEITAS MENOS DESPESAS. Se o resultado for positivo você está bem, se for negativo, tá fudido. Dane-se o tamanho do número do resultado. 1 real positivo = empesa boa; 1 real negativo =  empresa de merda.

Nêgo fica viajando com contas malucas, empresas que você investe X, alavanca Y, faz Z pra depois de 5 anos ter um retorno espetacular. Isso pode funcionar pra empresas gigantes, de capital aberto, com pesquisadores, contadores, advogados, economistas formando a equipe administrativa. Pra você que tem um boteco o que importa é lucrar no primeiro mês pós compra, afinal você tem que por gasolina no carro e comida na mesa. Pra esmagadora maioria dos mortais empreendedores é preciso ter lucro mensal, de maneira consistente, desde o primeiro mês. Os mortais não estão no mercado se arriscando, passando sufoco com funcionários, ineficiências brasileiras, bandidagem e demais zicas a troco de nada, nós estamos atrás de dinheiro. No fim, grana é o que importa, independente do tamanho da sua operação.

Aqui entra outra coisa que sempre bato na tecla: ramo bom é aquele que sempre deu dinheiro: bar, restaurante, açougue, farmácia, quitanda, posto de gasolina... Essa história de paleta mexicana, frozen iogurte, app pra celular é coisa pra quem tem saco de ficar se renovando o tempo todo. Dá dinheiro, claro que dá, as vezes muito dinheiro, mas não é sustentável. Se você quer ter empresa de maneira séria, tirar seu sustento dela, ela deve ser o mais robusta possível, dar lucro consistente, ser de um ramo "a prova de crises" e principalmente: você tem que ganhar no mínimo o dobro que ganharia caso fosse empregado. É por essas e outras que acho extremamente difícil encontrar uma empresa boa pra comprar, eu diria que 95% das lojas de varejo anunciadas em sites são péssimos negócios.

Acabei desviando um pouco do assunto, mas acho que deu pra captar a essência. O tamanho da empresa não importa, o investimento também, o que importa é o lucro líquido que ela pode dar. Parece uma ideia ridiculamente simples, mas poucos seguem isso e por isso muitos quebram a cara.

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